Considerando que você tem um saudável sistema auditivo além de todas as partes de sua complexidade anatomicamente subdividida em sistema auditivo periférico, considerando o ouvido externo, que tem a função de coletar, ampliar o som e enviá-lo em forma de vibrações para o tímpano, o ouvido médio que é composto pelo tímpano e três pequenos ossos chamados de martelo, bigorna e estribo, responsáveis por transformar as vibrações sonoras em vibração mecânica e, por último, o ouvido interno, que contém órgãos de audição e equilíbrio, que transferem as informações sobre os movimentos da cabeça para o cérebro por meio do nervo vestíbulo-coclear, você é um ser humano saudável.
Além do sistema auditivo externo, há o sistema auditivo central, formado por vias e nervos auditivos responsáveis pela transmissão de sinais neurais para que sejam, finalmente, processados pelo cérebro, completando o processo de audição, fazendo com que você compreenda o que está ouvindo. Perfeito e fascinante, o sistema auditivo envolve tantos outros detalhes extraordinários, como decibéis, células sensoriais, nervo auditivo, ondas sonoras, córtex auditivo, centros auditivos do cérebro, correntes de impulsos. Se você afirma todas as questões acima, você tem seu sistema auditivo normal.
Parabéns, você foi provido(a) pela mãe natureza de um fantástico recurso para ouvir clara e nitidamente o que lhe dizem. Mas, mesmo assim, com todas as suas condições físicas e fisiológicas normais, quero te perguntar: será que, de verdade, escutamos tudo o que nos dizem? Até que ponto há interferências ou ruídos geradores de dificuldades de compreensão? Será que eu posso fazer algo para entender, de verdade, o que querem me dizer? Quais são os fatores internos e externos que limitam a minha compreensão?
No seu entendimento sobre o assunto, qual seria a pergunta certa para ter a certeza de que o outro entendeu exatamente aquilo que você queria dizer?
Prometo que respondo no final do artigo! Agora, vamos analisar alguns fatores que favorecem ou dificultam a escuta.
Na arte da escuta, costumo brincar dizendo que as soluções e problemas de escuta estão relacionados com as “tias”. Como assim? Com a simpatia, antipatia, apatia e empatia. Qual a relação delas com a comunicação?
Quando há simpatia, estamos praticamente abertos para tudo o que vem da outra pessoa, pois a simpatia é um campo de atenção que abrimos e aceitamos de bom grado, tudo o que vem dessa pessoa por quem nutrimos um sentimento de amabilidade. Há uma conexão natural e espontânea, facilitando os canais de comunicação e entendimento.
Por outro lado, na antipatia, há uma rejeição natural, uma criticidade exacerbada e natural dificuldade de aceitação do outro pela sensação de desagrado. Se ouvimos algo, é para criticar, contestar o que foi dito.
A apatia, por sua vez, é a neutralidade. Um estado de alma não suscetível à comoção, gerando natural desinteresse, indiferença. Em outras palavras, como se a pessoa que disse algo não existisse, consequentemente não ouvindo o que ela falou. Podemos dizer que o que ela disse entrou por um ouvido e saiu por outro, sem o processamento da informação.
Já a empatia, a mais difícil das “tias”, pressupõe um legítimo interesse em compreender o que foi dito. É a faculdade de se envolver emocionalmente e ampliar os sentidos para a percepção real do outro. Genericamente, na psicologia dizemos que é um processo de se colocar no lugar do outro, com base em suas próprias suposições e impressões, fazendo esforço para entender seu temperamento e comportamento, procurando entender seu ponto de vista. Nesse processo empático, que podemos reduzir os limitadores de conceitos e preconceitos, além de criar condições favoráveis para escutarmos, efetivamente a outra pessoa.
Inicialmente, para entendermos da arte da escuta, precisamos esclarecer a diferença entre escutar o ouvir.
Enquanto ouvir é o processo mecânico relacionado ao sentido da audição, descrito no início desse artigo, escutar é uma ação que depende da vontade em prestar atenção, tentar entender o que foi dito e assimilar, efetivamente, o conteúdo transmitido. Escutar pressupõe atenção, foco, consideração, adiamento ou suspensão de julgamento, um legítimo esforço para o exercício da empatia. Parece fácil? Sim, parece, mas na verdade não é tão simples assim, ainda mais quando se trata de assuntos relacionados a ideias, conceitos e pontos de vista diferentes.
É simples diante de uma pergunta cuja resposta é sim ou não, por exemplo: você vai almoçar agora? Ao escutar sim ou não, a informação foi transmitida e recebida, fechando um circuito de emissão e recepção, dando a quem perguntou a informação precisa, se vou ou não almoçar agora. Entretanto, em um processo mais complexo, quando ouço alguma coisa que está vinculada a um debate, uma conversa ou uma discussão, posso aprender e aplicar algumas técnicas e adotar algumas posturas que facilitam o processo de entendimento e compreensão, gerando a escutatória que é, de fato, entender o que está sendo dito, sem julgamento. Nesse sentido, o ouvinte deve se preocupar inclusive com a linguagem corporal, demonstrando sua atenção respondendo e interagindo a partir dessa compreensão.
Tive o privilégio de fazer um curso sobre Escutatória, a arte da escuta, com Thomas Brieu, no instituto Do It Brasil, e tive, ao final do curso, a sensação de que, embora seja um especialista em comunicação, pouca atenção dava a essa arte ou habilidade de ouvir e aprendi técnicas extraordinárias facilitadoras de compreensão do que, de fato, a outra pessoa queria transmitir.
Em primeiro lugar, vamos considerar alguns tópicos relacionados a esse contexto de falar e ouvir, no nosso caso, escutar:
Linguagem
Deve ser adequada, como se as duas pessoas que falam o mesmo idioma, o que pressupõe um vocabulário comum a elas; uma estrutura gramatical que permita que as ideias sejam transmitidas corretamente e que, quem ouve, tem a clareza e conhecimento suficiente para entender o que foi dito.
Ambiente
Adequado para que um fale e o outro escute, com o silêncio suficiente e interferências mínimas, se houver, para que o processo mecânico aconteça, ou seja, quem está ouvindo tenha as condições para escutar o que foi dito. Isso serve também para comunicação à distância em reuniões, cursos e lives, nas quais a interferência da deficiência de equipamentos eletrônicos podem facilitar e dificultar o processo da escuta.
Pré-disposição
Pré-disposição do ouvinte, ou seja, estar bem física, mental e psicologicamente para escutar. Dificilmente vamos escutar alguém com atenção e focar no significado se estamos com muita fome ou ansiosos, afetados, de alguma forma, emocionalmente falando ou até preocupados com algo que nos impede de focarmos nossa atenção, como atrasados para um compromisso ou precisando ir ao banheiro.
Interesse
Interesse sobre quem ou o que está sendo dito. Pode ser que o assunto ou a pessoa sejam tão insignificantes que não nos permitimos destinar um tempo para ouvi-la.
Eliminando agora todos esses filtros, vamos considerar algumas estratégias para se estabelecer uma real escuta ativa (ou escutatória):
Atenção
Significando focar minha atenção à pessoa e ao assunto que está dizendo, e para isso posso desacelerar meu raciocínio, evitar procurar uma resposta ou contestar o que estou ouvindo durante a fala do outro. Para isso é fundamental suspender meu julgamento, ter uma abertura física e mental para ouvir. Posso adotar uma técnica de anotar palavras condutoras de ideias e raciocínio, separando-as por conteúdos, sinalizando as que desejo retomar na conversa.
Parafrasear
Um sistema poderoso, porque repito o que foi dito com o intuito de mostrar que estou atento e buscar algum tipo de esclarecimento para melhor compreender o que foi dito. Posso iniciar minhas frases assim:
- Quando você me diz…
- Você disse…
- Percebi que você…
- Entendi… é isso mesmo?
Além disso, posso expressar meus sentimentos ou impressões sobre o que as palavras do outro me geraram, por exemplo:
- Com o que você disse, eu fiquei…
- Eu me sinto agora…
- Eu tenho a impressão…
- Sinto muito…
- Nem acredito…
Outro recurso é mostrar meu interesse no que a pessoa está dizendo:
- Faz sentido!
- É lógico que… por isso…
- Ainda mais…
- É natural…
Outro item importante é mostrar compreensão e respeito pelo que está sendo dito:
- Compreendo o que está dizendo…
- Além disso…
- O que fazer agora é…
- Você está certo! Além disso…
- Concordo contigo, por outro lado…
Na sequência, posso expressar meu objetivo, minha necessidade ou ponto de vista sobre o assunto, que pode ser igual ou diferente da pessoa que falou com você:
- Eu preciso…
- Eu peço…
- Eu tenho vontade de…
Ou quando tenho um pensamento diferente, digo claramente:
- Preciso me expressar melhor…
- Na minha opinião…
- Vejo de outra maneira…
E para finalizar esse assunto, posso usar alguns artifícios, por meio de perguntas direcionadas, quer seja para sair de algum impasse ou para fazer alguma proposta, por exemplo:
- O que você acha de… para que você…
- E se eu te oferecer… o que me diz?
- Caso aconteça… o que você pode fazer a respeito?
- Que tal…?
- O que você me diz?
- O que você espera de mim a respeito?
- E aí?
Por fim, quero te fazer uma pergunta:
Qual é a pergunta que posso fazer que assegura, de fato, que o outro entendeu o que você disse?
Se você respondeu com a pergunta: “você entendeu?” Então você errou, porque se ela disser sim ou não, você não tem evidência do que, de fato, ela entendeu. Se você respondeu: “o que você entendeu do que eu disse?” Aí sim, a pessoa irá repetir o que você falou e você terá a certeza de que ela compreendeu exatamente o que você disse. Essa é a arte de escutar.
Gostou do artigo? Quer saber mais sobre a arte de escutar, a Escutatória? Então, entre em contato comigo. Terei o maior prazer em conversar a respeito.