Cada vez mais, após tanto tempo desenvolvendo treinamentos em Oratória e Comunicação Verbal, percebo o impacto que a comunicação tem gerado nas pessoas e, posso dizer, de algumas gerações.
A comunicação é o que chega
Tive um aluno, há uns vinte anos, de nome Glauco, hoje diretor comercial de uma grande organização, em uma boa conversa, comentando sobre os resultados que o curso de Comunicação Verbal causou em sua vida, lembrou-se de que um dos pontos cruciais, que o ajudou a tomar decisões e a buscar um contínuo aprimoramento dessa habilidade, foi uma frase que eu disse no curso, em meio a tantos exercícios, vivências, gravações e troca de experiências. Relembrou-me ele: “A comunicação é aquilo que chega”.
Parece-me hoje, após tantas vezes repetindo isso, tão óbvio que passa até despercebida a sua importância nos mais variados contextos e situações do dia a dia, mas me trouxe um bom motivo para refletir e entender essa simples frase em uma maior profundidade.
De verdade, quando você entender isso melhor, irá rever alguns conceitos habituais relacionados ao seu processo de se relacionar com as outras pessoas. Acredito até que esse conceito tenha sido a base de tantos estudos em comunicação, tais como Comunicação Não Violenta, Processos de Liderança, Estratégias de Vendas, Palestras Eficazes, Aulas Produtivas, Artes Cênicas, homilias e sermões emocionantes, Técnicas de Persuasão e até em conquistas amorosas.
Já tive diversas vezes esse tipo de conversa:
“[…] – Como assim? O que você quer dizer quando fala que a comunicação é o que chega? Na verdade, a comunicação é o que eu estou falando, as ideias que estou explanando, os pensamentos que estou explicando…
– Será mesmo? Se assim fosse, muito provavelmente teríamos menos brigas, menos desentendimentos entre as pessoas e os conflitos praticamente não mais existiriam.”
Vamos entender isso melhor:
Em primeiro lugar, cada pessoa tem uma diferente percepção do mundo, impregnada por sua maneira de entendê-lo e interpretá-lo. Quando vejo, ouço ou sinto algo ao receber uma informação, invariavelmente utilizo como filtro as minhas próprias experiências relacionadas àquela ideia, sentimento ou conceito, misturando-se aí os meus conhecimentos, crenças, valores, habilidades e experiências de vida. Um simples exemplo, já utilizado em palestras e cursos, ao dizer uma palavra, peço para que cada um pense em imagens, sentimentos e lembranças relacionadas a essa palavra.
Ao dizer, por exemplo, a palavra “MAR”, cada pessoa irá escrever todas as imagens ou lembranças relacionadas a essa palavra. Enquanto alguns dizem: pôr do sol, ondas, surf, alegria, sol, bronzeado, calma, imensidão, profundidade, outras pessoas podem dizer violência, perigo, risco, afogamento, ventania… Tudo isso relacionado às suas percepções de mundo, conforme suas experiências, sentimentos e conceitos forjados ao longo da vida.
Por essa razão, ao apresentamos uma ideia, por mais brilhante e criativa que possa nos parecer, outras pessoas poderão decodificá-las como inúteis ou banais. Quando uma mãe fala sobre seu filho recém-nascido, com toda a amorosidade relacionada ao recebimento desse ser tão especial, inundada pela oxitocina que junto com a serotonina, a dopamina, a noradrenalina, um grupo conhecido como “hormônios da felicidade” por sua capacidade de regular as sensações humanas gerando uma profunda sensação de prazer, para outras mulheres que não desejam ter crianças ou tiveram traumas relacionados ao nascimento dos seus filhos a percepção e sensação é totalmente diferente.
Quando nos comunicamos, mostramos ao mundo nosso referencial de existência formatado por experiências de vida que, por sua vez, estabelecem nossos pensamentos, que estabelecem nossas crenças e definem os nossos paradigmas. Embora semelhantes como espécie, cada um de nós tem uma individualidade secreta, criada pela nossa estrutura genética, pela nossa origem, conceitos, preconceitos, valores, escolhas e nosso jeito de ser na vida, fruto da nossa convivência familiar, meio ambiente, cultura, influências externas das mais diversas, tais como: origem, tradições, história, traumas, frustrações ou aprendizados, elogios recebidos, estímulos ao desenvolvimento da nossa criatividade, estudos, formação etc.
Por essa visão panorâmica e simples, podemos entender melhor o quão é difícil falar e ser compreendido, mesmo porque quando dizemos simples palavras tão corriqueiras no nosso vocabulário: mãe, pai, país, gênero, profissão, carreira trabalho, prazer, força etc., cada um interpreta conforme sua própria maneira de compreender esses significados, filtrados pela sua própria conceituação de cada uma delas.
Além disso, vou apresentar outras formas que sinalizam as dificuldades de entendimento entre os seres humanos, sem citar aspectos culturais regidos pelos ambientes de origem, como: clima, costumes, tradições, religiões, educação recebida, entre outros.
– Língua e vocabulário – É necessário que o interlocutor entenda o que está sendo dito, caso contrário, a mensagem não será decodificada e o circuito não se fechará; a exemplo de uma palavra de outro idioma que o receptor não conhece. Não haverá compreensão.
– Gírias e expressões idiomáticas – muito comum na língua inglesa, quando o que se está dizendo não tem um sentido literal, mas uma estrutura sedimentada pelos usos e costumes, cujo significado não é compreendido simplesmente por não o conhecer.
– Tom de voz – acentuação tônica das palavras – podendo modificar substancialmente o sentido conforme a maneira como o vocábulo é expresso.
– Emoções – Muitas vezes nossa forma de falar expressam muito mais do que o real significado das palavras e a decodificação está na forma e não no conteúdo da fala. Um bom exemplo é falarmos coisas terríveis para uma criança, tais como as letras das cantigas de ninar, por exemplo, “atirei um pau no gato, mas o gato não morreu, Dona Chica admirou-se do berro que o gato deu…. miaaaauuuu…” ou ainda “boi, boi, boi, boi da cara preta, pega esse menino que tem medo de careta…” O que conta é a maneira suave e delicada que o papai ou a mamãe cante, e a criança dorme porque o significado não está no conteúdo, mas na forma. Esse é um “detalhe” que faz toda a diferença.
– Ironia ou antífrase É um recurso no qual falamos algo, mas na verdade o que queremos dizer é diametralmente oposto ao que foi dito. Por exemplo, um jogador que perde um pênalti e o técnico diz: “Parabéns! Você, de fato sabe bater pênaltis.” Ou a mulher, depois de algum tempo de casada, arrependida porque o marido não cumpriu as promessas de voltar cedo para casa, que diz: “Você é um ótimo marido, cumpre as promessas que faz e isso me deixa muito feliz”.
– Lilotes – Quando se diz menos com a intenção de se dizer mais, diminuindo o impacto do que se quer dizer para reforçar exatamente o contrário quando, por exemplo, o marido diante de uma mulher que gasta demais, diz: “Você realmente é muito econômica, hein?”
– Eufemismo – É outra forma de atenuar algo importante, normalmente usada por certos meios de imprensa. Por exemplo, diante de um político que roubou muito, mas em vez de dizer isso, afirma que ele “enriqueceu por meios ilícitos”.
– Linguagem técnica – muito usual nos meios de comunicação, em palestras, quando, por exemplo, um advogado utiliza termos jurídicos (costumamos chamar isso de “juridiquês”) ou um economista utiliza palavras alusivas e específicas do seu meio (“economês”) e, obviamente, não é compreendido por quem não é desse meio profissional.
Alguns exemplos com a linguagem jurídica:
Ex Nunc – quer dizer, desde agora.
Bis in Iden – duas vezes o mesmo.
Data Venia – Com o devido respeito.
Coisa Julgada – Torna indiscutível uma sentença.
Sucumbência – Princípio pelo qual a parte perdedora no processo é obrigada a arcar com os honorários do advogado da parte vencedora.
Ex Tunc – Desde então.
Jurisprudência – Decisões proferidas várias vezes.
Mandado – ordem escrita por uma autoridade.
Assim, cada profissão ou grupo de profissionais desenvolve uma linguagem específica. Na economia, por exemplo, encontramos termos como: Produto Interno Bruto, Política Fiscal, Spread bancário, Política Monetária, Taxas de Investimento etc.
Ainda há as questões de regionalismos – palavras diferentes com significados iguais, separados por usos e costumes de uma determinada região, por exemplo, bergamota é o mesmo que mexerica, tangerina, mimosa e tanjo. Para mandioca, temos macaxeira e aipim, entre outros exemplos.
Diante disso, em vez de ficar magoado por ter entendido algo que sua decodificação indicou, melhor seria perguntar o que a pessoa do outro lado quis dizer, de verdade. Um bom ouvinte faz isso: antes de concluir em uma primeira instância, prefere perguntar para não ter dúvidas frente a uma situação de relacionamento, seja em uma reunião com a liderança, vendas, negociação, em uma situação formal ou informal.
Asseguro a você que muitos dissabores serão evitados, se, antes de reagir pelo que entendeu, tiver um pouco mais de calma e, educadamente, com paciência perguntar ao seu interlocutor:
“Do que você disse, eu entendi … Foi exatamente isso que quis me dizer?”
Dica
Experimente adotar esse comportamento e espero que sua vida seja melhor se estiver atento a esse detalhe.